Via materna: Itália, de forma indireta, reconhece o direito à cidadania aos nascidos antes 1948
Por Marcia Cristina de Oliveira Santos*
Graças a I.N.R.I (Italiani non riconosciuti italiani), uma associação uruguaia formada por descendentes de mulheres italianas nascidos antes de 1948, a Itália, através do Consulado Italiano em Montevidéu, tornou pública a correta interpretação do artigo 1, inciso 2, da antiga lei sobre cidadania italiana, Lei n. 555/1912; lei esta que, apesar de ter sido declarada inconstitucional, é a lei considerada válida e aplicável para os fatos(nascimentos e casamentos) ocorridos até 31/12/1947 (em 1948, entrou em vigor a atual Constituição Italiana que igualou os direitos entre homens e mulheres).
Em linhas gerais, o Consulado Italiano no Uruguai, apoiado numa consulta fornecida pelo Ministério de Relações Exteriores Italiano, afirmou o que esta autora já havia analisado e exposto no artigo “Cidadania italiana por derivação materna – uma visão do direito contrária a realidade”, escrito para o site Oriundi e publicado no dia 09/08/2007. A Itália, por dois de seus órgãos mais indicados, reconheceu que, se o filho descendente de mulher italiana é nascido antes de 1948, num país cujo único critério de atribuição da cidadania para os nascidos em seu território seja o “jus solis” (o Brasil, por exemplo), o filho NÃO segue a cidadania do pai e sim a do País/Estado, e, como conseqüência, tem direito à cidadania italiana de acordo com o referido artigo, que diz o seguinte:
“Legge 13 giugno 1912, n. 555
Art. 1. – É cittadino per nascita:
1) Il figlio di padre cittadino;
2) Il figlio di madre cittadina ... se il figli non segue la cittadinanza del padre straniero secondo la legge dello Stato al quale questi appartiene;
O comum é que se limitem a dizer que “somente o pai é que podia transmitir a cidadania aos filhos de acordo com essa velha lei” (inciso 1). No entanto, é difícil ouvir qualquer menção que, mesmo em casos residuais (inciso 2), a mulher também podia transmitir. Assim, conseguiu-se firmar um entendimento global da discriminatória “regra de 1948”; regra que foi de tal forma uniformizada e conveniente, que tolhe errônea e injustamente um direito já existente há praticamente um século segundo as leis italianas e brasileiras e que não depende de nenhuma lei nova italiana para poder ser exercido.
Resumidamente, o que a I.N.R.I. fez foi entregar ao Consulado no Uruguai um documento explicando o porquê da existência do direito em questão para os uruguaios, acompanhado de um documento do Ministério do Interior do Uruguai confirmando que a forma de transmissão da cidadania para os nascidos em seu território é o “jus solis”. Algum tempo depois, o Consulado ofereceu resposta a reivindicação. Quem desejar ler o conteúdo integral de tais documentos (idioma espanhol), pode acessar o endereço eletrônico da
Associação e clicar em “novedades”: http://www.inri1948.org
Veja abaixo tradução simples e parcial de trechos da carta enviada pela I.N.R.I. ao Consulado e resposta destes carta reivindicatória da I.N.R.I. entregue ao Consulado
“...a Associação I.N.R.I.(Italianos não Reconhecidos Italianos), foi criada com o objetivo de que o Artigo 1, comma 2 da Lei Italiana n. 555/1912 seja devidamente cumprido
O mencionado artigo diz muito claramente:
Art. 1. – É cidadão por nascimento:
1) O filho de pai cidadão;
2) O filho de mãe cidadã se o pai é ignorado ou não tem a cidadania italiana nem aquela do outro Estado, ou se o filho não segue a cidadania do pai estrangeiro segundo a lei do Estado ao qual este pertence ...
Os descendentes de cidadã italiana, nascidos antes de 01/01/1948 em território uruguaio, estão perfeitamente enquadrados dentro dos termos do inciso 2 do Artigo 1 na parte “ se o filho n ã o segue a cidadania do pai estrangeiro segundo as leis do Estado ao qual este pertence”, já que a cidadania uruguaia não tem sido nunca atribuída em seguimento a do pai, e assim sendo, a cidadania do território de nascimento, imposta por “jus solis”, não invalida a cidadania italiana, adquirida por direito de sangue por via materna, art. 7, mesma lei. (grifei)
Solicitamos que nos informe quais são os critérios que aplica esse consulado para negar a realização do trâmite de normalização da ficha do estado civil dos descendentes de cidadãs italianas nascidos em território Uruguaio, anterior a 01/01/1948, compreendidos dentro da situação de concessão via materna, por exclusão da não transmissão por via paterna, que o artigo citado contempla.
...
I.N.R.I.
Italiani Non Riconosciuti Italiani – Uruguay
RESPOSTA DO CONSULADO
...
“Com referência ao seu pedido de 12 de dezembro de 2007 sobre o reconhecimento da cidadania italiana aos filhos nascidos de mãe italiana antes de 1° de janeiro de 1948, cumpre-nos comunicá-la que nosso Minist é rio das Relaç õ es Exteriores CONFIRMOU o
fundamento da interpretação do artigo 1 da Lei 555/1912 como o segue abaixo:(GRIFEI)
Reconhecimento da cidadania italiana aos filhos de mãe italiana antes de 01/01/1948 (art. 1, inciso 2°, la lei 555/1912).
O art. 1 da lei 555/1912 regula as seguintes situações em que é vi á vel a transmiss ã o da cidadania por via materna:
1° caso: mãe italiana e pai desconhecido;
2° caso: mãe italiana e pai apatrida;
3° caso: filho nascido de mãe italiana e pai estrangeiro cuja cidadania não pode ser TRANSMITIDA ao filho segundo as leis do Estado al qual estes pertencem.”(GRIFEI)
...
“Gaia Lucilla Danese
Cônsul da Itália em Montevidéu.”
Infelizmente, o referido Consulado, apesar de ter admitido que a interpretação da I.N.R.I. sobre o art. 1, inciso 2 da Lei 555/1912 está correta, acabou negando mais uma vez o direito aos uruguaios, ao meu ver injustamente.
Isso foi possível porque na lei uruguaia existe também a possibilidade de aplicação do critério “jus sanguinis” no artigo 2 da Lei 16.021/1989 (assim como a Itália também prevê o “jus solis”). Essa possibilidade de aplicação do "jus sanguinis” foi criada exclusivamente para os nascidos fora do território uruguaio. Mas, não foi assim o que o Consulado interpretou ao final.
Veja a redação da Lei (citada na resposta do Consulado):
“lei n. 16021 de 13/04/1989:
Art.1: Têm a qualidade de nacionais da Republica Oriental do Uruguai os homens e mulheres nascidos em qualquer ponto da República.”(“jus soli”) Art.2: Têm igualmente a referida nacionalidade, seja qual for o lugar do nascimento, os filhos das pessoas mencionadas no artigo anterior.”(“jus sanguinis”)(grifei)
Na verdade, esse “seja qual for o lugar do nascimento” do artigo 2, oportunizou ao Consulado a alegar que os nascidos dentro do território uruguaio, segundo a lei Uruguaia, seguem o “jus soli”(artigo 1); mas, podem seguir também o “jus sanguinis” subsidiariamente(artigo 2), desvirtuando, assim o verdadeiro sentido da lei. Veja a justificativa do Consulado na mesma resposta dada a I.N.R.I.:
“Em conseqüência, os descendentes de cidadã italiana, nascidos antes de 01/01/1948 em território Uruguaio, estão excluídos da aplicação do artigo 1, inciso 2 da lei 555/1912, enquanto subsidiariamente a legislação Uruguaia prevê a transmissão da nacionalidade “jus sanguinis” em seguimento a do pai Uruguaio (artigo 2 da lei 16021).”
Tenho confiança e torço para uma vitória dos descendentes Uruguaios, que conseguirão esclarecer tal equívoco; e pelo que sei, já estão tomando providências. A I.N.R.I. é um verdadeiro exemplo a ser seguido.
Mas, o que aconteceria se nós brasileiros fizéssemos a Mesma reivindicação que a I.N.R.I. fez?
Pergunto isso porque, quanto a nossa legislação, afirmo que seria impossível a Embaixada ou os Consulados Italianos no Brasil alegarem o mesmo que o Consulado do Uruguai alegou em sua negativa. Isso porque, felizmente, nossos legisladores não deixaram margem a interpretações como essa que fez o Consulado em Montevidéu. Em que pese nossa lei ter semelhanças com as do Uruguai, os legisladores brasileiros referiram-se expressamente a única possibilidade de aplicação do critério “jus sanguinis”(quando o filho segue a cidadania dos pais), é para os “nascidos no estrangeiro” (art. 12,I,c, da Constituição Federal do Brasil). Para os nascidos em território brasileiro o ÚNICO critério é o “jus solis”, sem nenhuma exceção.
Mirando o exemplo do Uruguai, estudo uma forma de criar uma espécie de I.N.R.I. brasileira. No entanto, devido algumas dificuldades nesse sentido, e, pensando de uma forma imediata, peço a colaboração de todos os interessados e pessoas que nos apóiam a fazerem parte deste abaixo-assinado, inspirado no documento da I.N.R.I. entregue ao consulado:
http://www.petitiononline.com/roma3gu1/petition.html
É preciso demonstrar que existe a ciência deste direito por parte dos descendentes e que se pretende o seu reconhecimento. O fato de que se trate de uma hipótese residual a contida no inciso 2, art. 1 da Lei 555/1912, não significa que não possa atingir um número elevado de pessoas; não significa que possa ser ignorada. Assim, quanto maior a manifestação, maior o interesse da Itália em analisar a presente situação dos descendentes via materna e se dignar a oferecer uma resposta positiva de acordo com suas próprias leis.
*Marcia Cristina de Oliveira Santos, Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Rondônia, idealizadora da comunidade no Orkut “Cidadania Italiana Via Materna”, estudiosa dos assuntos relacionados a cidadania Italiana em geral. E-mail marciafumeros@hotmail.com